"No escape" by Cassandra Cazcie Larish |
Todas as noites, logo após fechar os olhos e antes de se perder em sonhos, na sua cabeça vem uma miragem, a ilusão de que ela está lá deitada ao seu lado. Corpos juntos, mão sobre mão e dedos interlaçados... Dela ele sente o calor do corpo e o cheiro dos cabelos, e isso é mais real que o mundo que se apaga ao seu redor. Todas as noites, logo após senti-la em sim e antes de se perder em sonhos, uma silencio em seu peito o perturba: ela está lá com ele, mas seu coração não. E a fenda insaciável que lá surgiu o consome, não antes de mastiga-lo dolorosamente. Todas as noites, logo após suportar a aflição do vazio e antes de se perder em sonhos, sua alma se afoga no rio salgado e ele suplica em silêncio que ela estenda a mão mais uma vez e o tire de lá. Ele crera com toda a certeza do mundo que ela sempre estaria ali para puxá-lo de volta... Mas certezas são verdades que um dia morrem, e por outras são substituídas. E em silêncio seu corpo desce até perder de vista as estrelas e ao seu redor restarem apenas sombras. Ele finalmente dorme. E nos seus sonhos, os sorrisos que antes incendiavam sua vida se tornaram cinzas frias. Os olhos que o cativavam a amar se tornaram distantes e apagados. A boca que sussurrava promessa e juras se tornou decepção... A decepção gera o desapego. Sentimentos verdadeiros não sublimam, antes de evaporarem e se perderem no ar, eles derretem e depois fervem... Um processo de pura angústia. E lá no peito deixam queimaduras, cicatrizes que eternamente contarão uma história amarga. Todos os dias depois de acordar, ele percebe que seu rosto não está tão úmido quanto estava na manhã anterior. E ele se pergunta se tudo realmente valeu a pena... Se a amargura, a angústia, a tormenta, a decepção, a dor são um valor justo a se pagar por tudo que aconteceu, por melhor que tenha sido. Há manhãs em que ele responde sim, e em outras não. Contudo, ele só terá a resposta derradeira, quando tudo estiver silencioso, envelhecido e distante.