quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Silencioso, Envelhecido e Distante.

"No escape"  by Cassandra Cazcie Larish


Todas as noites, logo após fechar os olhos e antes de se perder em sonhos, na sua cabeça vem uma miragem, a ilusão de que ela está lá deitada ao seu lado. Corpos juntos, mão sobre mão e dedos interlaçados... Dela ele sente o calor do corpo e o cheiro dos cabelos, e isso é mais real que o mundo que se apaga ao seu redor. Todas as noites, logo após senti-la em sim e antes de se perder em sonhos, uma silencio em seu peito o perturba: ela está lá com ele, mas seu coração não. E a fenda insaciável que lá surgiu o consome, não antes de mastiga-lo dolorosamente. Todas as noites, logo após suportar a aflição do vazio e antes de se perder em sonhos, sua alma se afoga no rio salgado e ele suplica em silêncio que ela estenda a mão mais uma vez e o tire de lá. Ele crera com toda a certeza do mundo que ela sempre estaria ali para puxá-lo de volta... Mas certezas são verdades que um dia morrem, e por outras são substituídas. E em silêncio seu corpo desce até perder de vista as estrelas e ao seu redor restarem apenas sombras. Ele finalmente dorme. E nos seus sonhos, os sorrisos que antes incendiavam sua vida se tornaram cinzas frias. Os olhos que o cativavam a amar se tornaram distantes e apagados. A boca que sussurrava promessa e juras se tornou decepção... A decepção gera o desapego. Sentimentos verdadeiros não sublimam, antes de evaporarem e se perderem no ar, eles derretem e depois fervem... Um processo de pura angústia. E lá no peito deixam queimaduras, cicatrizes que eternamente contarão uma história amarga. Todos os dias depois de acordar, ele percebe que seu rosto não está tão úmido quanto estava na manhã anterior. E ele se pergunta se tudo realmente valeu a pena... Se a amargura, a angústia, a tormenta, a decepção, a dor são um valor justo a se pagar por tudo que aconteceu, por melhor que tenha sido. Há manhãs em que ele responde sim, e em outras não. Contudo, ele só terá a resposta derradeira, quando tudo estiver silencioso, envelhecido e distante.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Não Desta Vez

"Ghost Of A Rose by Katerina Koukiotis"
    A expectativa do paraíso que erguemos ao nosso redor pode despencar como cortinas revelando mais uma vez uma tormenta infernal! ...e tudo foi uma ardilosa armadilha do destino zombeteiro, e nela sorridente nós nos atiramos cegamente. Recordando! O ramo almejado estava seguro em mão amiga, e largado ao chão foi o ramo, depois de ferir a mão de seu dono, e mesmo no chão o almejamos, porém não o tomamos para si, pois escolhemos cuidar das feridas da mão amiga. Contudo, ainda o almejamos e também sofremos ao ver a mão desconhecida arrebatar o ramo do chão! Sofremos em silêncio, e resignados com a dor esperamos a mão desconhecida ferir-se, para que desta vez sem culpa possamos nos arriscar segurar o ramo almejado. Aos poucos, tudo em nós é arruinado, é despedaçado... tudo, até mesmo as fantasias que vestimos no ramo almejado. A dor lavou os olhos sujos com lama da paixão, e assim notamos o ramo cheio de espinhos, que penetram na carne de quem segura. Liberdade! As asas que brotaram nos levam para longe, e aqui tudo pareceu tão bobo, pequeno, e sem importância! Novamente somos donos de si, e construímos cicatrizes onde antes feriadas abertas nos infligiam incessante ardor. Encantamento! Aqueles olhos repousavam no inalcançável, para assim serem apenas admirados. Muitos o miravam, mas eles continuavam firmes no horizonte sem dar atenção a ninguém, e permaneciam frios e distantes, porém belos e hipnotizantes! Improvável! Nossos olhares se cruzaram... foi um simples acaso. Nossos olhares se cruzaram novamente... e fechamos os olhos, não queremos nos iludir pelo acaso! E quando o abrimos, os belos olhos estão as nos encarar, e assim nos entregamos ao seu chamado. Neles toda perfeição é refletida, todos os desejos de nossas almas lá se mostram, mas ainda sabemos que eles não são para nós. Realizar! Aos seus desejos atendemos, e em todo simples gesto, fazemos os olhos sorrirem de volta, e aquele sorriso nos faz sorrir para o mundo, e sentir o mundo sorrindo para nós. Dúvidas! Seria esse finalmente o caminho para verdadeira felicidade? Poderíamos nos permitir almejar os belos olhos como antes almejamos o ramo? E, eles nos almejariam também? Desprendimento! Fazer sem nada esperar em troca... Sem cobranças, sem decepções! Fazemos os belos olhos sorrirem, pelo simples prazer de velos assim, e esse prazer é o que nos cativa a assim continuar. Percepções! Desejamos não os almejar, mas sabemos que já estamos enredados pelos seus encantos, e é tudo tão claro que aqueles que nos cercam percebem o nosso fascínio pelos belos olhos! Ao mesmo tempo, nossos olhos começam a coçar, como se estivessem  sujos por terra, e a realidade começa a ficar menos perceptível. Frustração! Mostramos felizes ao mundo os belos olhos, e os belhos olhos se cruzam com olhos amigos, e notamos um sorriso diferente! Um sorriso de desejo, que a nós nunca antes foi dado. E como soco aquilo nos atinge e nos faz lembrar de toda a dor que tivemos ao almejar o ramo... Vomitamos todas as fantasias criadas, e nele lavamos a lama que aos poucos voltava a nos cegar. E repetimos para nós: não desta vez! Não deixaremos nos cegar, e nem que feriadas em nosso corpo se abram... mas era tudo tão promissor! Mas, não desta vez! Aceitar! Simplesmente isso: aceitar! O sorriso nos dado pelos belos olhos em nada tem a ver conosco, mas sim com tudo o que fazemos para eles, são apenas nossos atos, nós mesmos nunca seremos almejados. Podemos nos contentar, mas não mais nos deixaremos ludibriar. E quanto antes aceitarmos isso, mais cedo estaremos prontos para sair do ardil tormento, desenhado por esse destino zombeteiro.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Damas da Tormenta

"The Rain will Kill Us All by Brooke Frederick"


    Soltando as amarras que me inibem, prendendo as Mãos que me agarram. Meus pés deslizam por sobre poças de lama formadas pela Chuva que me lavou, e me livrou dessa Maquiagem Medonha. Mais fácil seria o mundo curvar-se em resignação por tanta rigidez encontrada em mim, mas apenas seria, pois tudo que conquistei foi a ruptura de Minha Pele. Foi tombando que senti a brisa em minha face, rejeitando o iminente encontro com a terra, gritei em desespero e arrependimento. Nesse instante os Portões foram abertos. Por quem? Não por mim, eu apenas proferir clamores! E meus pensamentos vagam e chocam-se de encontro com a Piedosa, sendo apenas o Eco úmido e distante quem retorna para fazer-me caricias, mas é o quê me basta! O mundo estremece com a Alvorada, matando as sobras, revelando a verdade! E tudo o quê ela disse me curvou, jogando por fim meu rosto na terra. Ó Impiedosa! Por que me punes apesar de meu pesar? Por que me diz que as Mãos ainda jazem sobre mim, cerrando meus olhos. Com o engodo desejado agora revelado me apresento contrito e nu, já que agora, Piedosa, tua água não me toca, nem me lava. E minha Casca secará, rachará e tornar-se-á pó perante teu sol, Impiedosa, e não sem sofrimento, e não sem dor. Mas prometo que jamais me desesperarei novamente e nem desejarei mais uma vez que Anfitriã Sombria me iluda e me amarre nas trevas que me confortam, pois sei que um dia o vento há de limpá-la e tornar Minha Pele pura para que eu possa andar errante e livre a fim de alcançar os merecidos Portões. O mundo ensurdeceu com o retumbar dos trovões, quando os oceanos precipitaram o dia se afogou, a correnteza, a verga da tempestade, me sequestrou em quanto moldava sulcos nos vales que habitava, e o relampejar trouxe a restauração das sombras. Ó Piedosa! Os Portões não te represam, e na correnteza flutuando sem dor me levaste acima deles de encontro as trevas doces do infinito. O mundo estremece com a Alvorada, e os céus respiram os oceanos de volta e a Piedosa me caça. A Chuva e a Alvorada em fusão me consumindo, quando vou me absolver, quando vou me libertar, quando vou me cansar de ser inerte? Não quero compaixão e nem penitência, afastem-se de mim, ó Damas da Tormenta, as minhas desgraças são cortes que sagram apenas na Minha Pele. Eu me jogarei ao chão e me erguerei, destruirei eu mesmo essa casca que me sufoca e arrancarei uma por uma as Mãos que me restringem. Merecendo eu ou não, os Portões se abriram e caso não abram farei com que se curvem perante mim, nem que isso dilacere Minha Pele!          

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ela...

"Walk to the Sunset by Rhiannon Mytherea Taylor"

Ela começa entre os pilares de sustento do mundo, e trilha o caminho do vento por lugares onde manadas de búfalos e ratos passaram. À noite ela é estrela esguia levando os navegantes da terra pelos sete vales, ao dia é caminho do sol de leste a oeste, onde o potro nasce e o cavalo morre. Atravessa rochas, circunda montanhas, salta rios e escava a terra, nem céu e nem mar barram seu caminho que transcende o físico e transpassa o etéreo mundo dos sonhos. Legiões por ela marcharam, em barreiras e batalhas lutaram para com o sangue lavá-la. Ela leva o homem a céu e ao inferno, e a mundos há muito esquecidos, perdidos ou renegados. Flui como Nilo no deserto, ou como o Amazonas na floresta, quando tortuosa e delgada é perigosa, e quando larga é tranquila por entre chapadões recobertos de árvores que se curvam a sua margem. Transpõe mil lugares numa só linha contínua que nem a tesoura do tempo e do espaço pode romper. Foi traçada no início dos tempos pelo mesmo dedo que ligou o interruptor do sol e com um peteleco fez o mundo girar. Por ela passeiam o corpo, a alma e a mente de mãos dadas com passos velozes em perfeito compasso, transcendendo a vida, a morte e a ressurreição, levando às novas cidades ou às prisões abissais. Alguns podem viajá-la com um passo, outros necessitam de todo o tempo do mundo. Poderosa e disputada, alguns querem dominá-la, e quando pensam que a tem em mãos, percebem que é apenas um trecho tão curto quanto são as linhas dessas mesmas mãos. Todos nela já andaram, andam e andarão. Mesmo pelos ares ou pelos mares, é caminho de todos os homens, animais, demônios e deuses. Leva ao infinito, circunda as galáxias por baixo das pernas do colosso e finda entre os martelos que rompem os pilares do mundo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Penas do Tempo

"Romantic Agony by Nadia Asserzon"
Penas e Pedras

Ando sobre penas e pedras. Por todos os senhores do vale dos meus sonhos esquecidos, juro que sou justo para com meus sentimentos. Sou livre, pois sangrei nas pedras e limpei-me nas penas. Ao sangue de meus pais, paguei o tributo que devia. Minha resposta as perguntas que me ferem é meu eterno semblante feliz. Pertenço aos meus instintos com orgulho, já que eles sempre me levam para o melhor da vida. Dia após dia, procuro o portal que sempre me leva para o mundo que somente eu posso entrar e lá sou tudo, menos eu mesmo. E pelas penas e pedras escrevo para o garoto que mora no fundo do abismo, dorme no leito do lago e enamora a Lua. Nessa constante batalha para ser reconhecido como um alto membro dos guerreiros dos campos perdidos da Grécia, sustento meu Símbolo na torre e desejo o Sol, Não a Lua. Prometo a todos que sempre seguirei o Caminho do Andarilho de Penas e Pedras.

Teias do Tempo

Primeiro dia de vida, primeiro momento de morte. Azar a quem tem sorte, desejo divino do dia e da noite dos navegantes dos sonhos fluentes ao vento. Flautas sopram notas melodiosas, sinos ecoam pelo abismo de paredes ressonantes. Gritos repetidos e esquecidos nas teias do Tempo. Ao clamarmos: Vida! Invocamos a Morte pelo ciclo da renovação. Um mundo refletido pela Íris iluminada por uma trêmula chama de uma fina vela sobre um fio de seda que uni os dois lados do abismo: a vida e a morte. Que lágrimas umedeçam as faces, que os gritos arranhem as gargantas, que os punhos cerrados sangrem as palmas, que os joelhos dobrem e que a barragem da alma rache e inunde o abismo até apagar a chama. E ao fantástico mundo traremos fim, quando os olhos infantes cegarem ao passar dos anos. Assim as teias do tempo se tornaram tão concretas quanto as rugas e tão inevitáveis quanto a morte. E digamos: Viva!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Observando-a Bailar

      "The dancer by Magdalena Zagórna"


Nem cem amigos podem preencher o vazio de um peito que disse adeus a um amor. A face seca e sedenta sofre se perguntando o que está acontecendo em seus olhos, buracos negros que nem mesmo a luz deixa escapar, contudo não o amor, força escrava só de si. E a língua de mármore, que espanca os ouvidos ao sibilar trevas, queima com o sangue ácido escorrido daquele coração embrenhado pelos vermes nascidos do vácuo emocional que compõe o cerne da alma afogada em desamor. No topo da colina, observando-a bailar no vale, esculpindo-se num manto que no corpo dela seja de caimento perfeito... Se não fosse a névoa do alto da colina, que todas as formas do vale distorcem, há muito tempo sobre ela estaria dançando. O rosto dela rasga o seu e é por receio da dor que prefere encarar a terra, e quando ele se esquece de tal maldita condição e a face ergue em busca da dela, é invadido por alegria e tristeza, e o coração pranteia em êxtase e agonia. Ressentido vocifera contra aquela maldita arte pela qual sua flor foi encantada e dele para longe levada, ao mesmo tempo deseja dela aprender para assim seduzir também sua flor como antes por vezes ela fora. Os portões foram abertos e, quem quiser entrar, que entre sem pedir licença e satisfação dar, e que venham no intuito de ferir, arrasar e abandonar, pois só uma dor maior pode anestesiar as queimaduras deixadas pelo iceberg solitário que brotou de seu peito. Apesar de tudo, o que faz o sangue ainda correr em suas veias e não delas é a esperança ao saber que nada é eterno, e a mão que agora  a conduz um dia há de solta-la e desta vez será a dele que ela segurará, ao menos é isso que ele espera, é o que ele sonha todas as noites, é o porquê dele se erguer todas as manhãs, é o porquê dele se alimentar e nutrir seu corpo, é pelo que ele ora e atormenta os anjos, é pelo que ele ainda vive e se esconde da morte.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Último Baile da Noite


"Anamnesis of estivation by Vitaly Alexius Samarin"
Nós iremos preservar cada lágrima que escorrer de tuas veias e, não mais sedento de teu néctar, o mundo festejará. No último baile da noite, na última noite antes do amanhecer eterno, a todos será permitido entregar-se a impiedade sem dor, nem culpa. Já que a iminência do fim está a se revelar num doce afago de uma fêmea acalentando sua cria. E não é a vida uma cria da morte, como a criatura que objetiva a criação, a vida revela seu sentido ao se suprimir. O fim é a única fonte inesgotável de mel, e dele o princípio brota vigoroso como uma videira em terra fértil. Mas ainda estamos em pé, e festejamos o finalmente. Aqueles que seguram a minha mão, aqueles que eu seguro a mão e aqueles que estão além, todos nós derramamos o vinho de nossas eras para que então vazias nossas ânforas sejas transbordadas de seiva. Durante o precipitar dos últimos grãos de areia, enterramo-nos e todo vinagre de nossa alma está a sorver-se para a profundeza do esquecimento. Para que enfim de nossos peitos a eternidade possa germinar, e seu fruto será uma nova nação tão perfeita quanto é a luz da verdade. Mas o ocaso ainda não engoliu a fome primitiva, e o banquete ainda exala seu êxtase. Sobre a mesa debruçamo-nos e nossas bocas ocupadas nada falam, e na cama deitamo-nos e nossos corpos ocupados não dormem. Você pode ouvir nosso sussurro silencioso, pode sentir as súplicas e os clamores por aquilo que incendeiam nossos espíritos e deixa nossos olhos em brasa, por aquilo que colapsa toda a existência em suas mãos e com um sopro reconstitui tudo em plena perfeição. Os últimos acordes já são ouvidos, as luzes já se apagam e o salão se esvazia. Lá fora no horizonte o amanhecer de mil sois expurgando a terra da noite em derradeiro e para o todo sempre, e as cinzas do que éramos são olvidadas quando os ventos da renovação varrem-nas para o nada. E por fim podemos nos erguer pela última vez e com inocência contemplar o infinito.